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A previsão de arbitragem indiscriminada no Processo do Trabalho, na realidade brasileira, apresenta o preocupante potencial de violar o acesso à justiça por parte do trabalhador. Isso porque, uma vez instituída a arbitragem, a matéria decidida pelo árbitro não pode ser levada, em princípio, ao Poder Judiciário.

De outro lado, o uso da arbitragem contribuirá para a redução do quantitativo de processos levados ao Poder Judiciário, do que resultará a prestação jurisdicional mais célere e eficiente.

A interpretação do novo art. 507-A da CLT[1], portanto, deve ser feita sob o enfoque do princípio constitucional do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV).

Nesse contexto, é necessário levar em conta a hipossuficiência do trabalhador. O trabalhador, no mais das vezes, está em situação de inferioridade no plano econômico e jurídico; geralmente, o empregador é quem detém maior conhecimento e, principalmente, é quem dita as regras do contrato de trabalho (poder diretivo do empregador), enquanto o empregado é subordinado e deve cumprir ordens.

Dessa forma, seria muito fácil para o empregador inserir uma cláusula de arbitragem no contrato de trabalho do empregado, de modo que qualquer conflito seria levado para o árbitro, e não para o Poder Judiciário. O empregado pouco ou nada poderia fazer a respeito: sua negativa em aderir à arbitragem resultaria presumidamente na perda do emprego.

Justificável, portanto, a cautela que sempre existiu, bem como o entendimento majoritário que sustentava não se aplicar a arbitragem no Processo do Trabalho.

Perceba-se, entretanto, que, uma vez cessada a relação empregatícia, os direitos eventualmente violados convertem-se, inevitavelmente, em direitos de crédito. Passam a ser, portanto, plenamente disponíveis. Tanto é assim que o trabalhador pode optar por não acionar o Judiciário Trabalhista na busca desses mesmos direitos.

Era falacioso, portanto, o argumento de que a arbitragem nos dissídios individuais trabalhistas violaria em qualquer hipótese o princípio do acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV). Ora, quem pode optar por não exercer o direito de ação, deve poder, com muito mais razão, levar eventual conflito de interesses para o árbitro, que é terceiro alheio ao Poder Judiciário. A liberdade individual deve ser respeitada pelo Estado.

Veja-se que a Reforma Trabalhista prevê, aparentemente, a possibilidade irrestrita de arbitragem desde que o empregado tenha remuneração superior a duas vezes o teto dos benefícios do INSS. Assim, quando da entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, a se adotar interpretação literal, poderia ser estabelecida cláusula compromissória arbitral desde que a remuneração fosse superior a aproximadamente R$ 11 mil reais.

No entanto, o texto contém ambiguidades e imprecisões que resultam em conclusão diferente.

De fato, convenção de arbitragem é o negócio jurídico por força do qual as partes de determinada relação jurídica resolvem submeter conflito dela decorrente a um árbitro. Trata-se de gênero que abrange duas espécies: (i) cláusula compromissória, firmada preventivamente, ou seja, antes de haver qualquer litígio, convenciona-se que eventual conflito será submetido à arbitragem; (ii) compromisso arbitral, que se refere a litígio já existente.

Diante de tais conceitos, note-se que há incongruência no novo dispositivo legal. O art. 507-A trata de cláusula compromissória (estabelecida antes de existir o conflito): seria a situação em que empregado e empregador firmam contrato de trabalho, dispondo nesse instrumento que, se vier a surgir eventual lide, o conflito será julgado por um árbitro, retirando do Poder Judiciário a possibilidade de julgamento.

Contudo, a redação do dispositivo afirma que pode ser pactuada a cláusula compromissória desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa. Nitidamente, a redação legal se inspirou em decisões do Superior Tribunal de Justiça a respeito da instituição da arbitragem no âmbito do Direito do Consumidor.

O STJ sempre foi muito cauteloso em admitir a arbitragem no Direito do Consumidor, já que o consumidor é a parte hipossuficiente (assim como o trabalhador – visualiza-se a aproximação entre o Direto do Consumidor e o Direito do Trabalho).[2]

O entendimento do STJ é salutar, já que, sendo o fornecedor uma grande empresa, tem condições de impor cláusulas sem que o consumidor possa discuti-las; em regra, o consumidor e o fornecedor não estão em plano de igualdade, da mesma forma que o empregador e o trabalhador também não estão. Nas duas hipóteses, está-se diante de contratos de adesão.

O STJ entende que pode haver previsão de cláusula compromissória no contrato de consumo (antes de existir o litígio); contudo, isso não pode impedir o consumidor de acessar o Poder Judiciário, caso queira.

Dessa forma, fazer uso, ou não, da arbitragem é opção do consumidor. Na ótica do Superior Tribunal de Justiça, caso prefira, o consumidor pode ajuizar ação contra o fornecedor de produtos e serviços. A arbitragem é apenas mais uma alternativa à sua disposição. Essa interpretação tem o grande mérito de estimular os mecanismos alternativos de resolução de conflitos e, simultaneamente, não causar qualquer prejuízo ao acesso à Justiça por parte do hipossuficiente.

Assim, a cláusula compromissória, embora prevista no contrato de consumo, só terá eficácia (entendida a expressão como possibilidade de produção de efeitos) caso o aderente (consumidor) tome a iniciativa de instituir a arbitragem.

A segunda situação admitida pelo STJ é a de concordância expressa do consumidor quanto à instituição da arbitragem. É a hipótese em que o fornecedor leva a questão ao juízo arbitral e o consumidor, em sua defesa, concorda expressamente (não apenas tacitamente – o silêncio não vale para o STJ) com a arbitragem.

Feita essa análise, conclui-se que o texto do novo art. 507-A da CLT é bastante semelhante à redação utilizada pelo STJ em seus acórdãos. Sem dúvida, o novo dispositivo se inspirou na jurisprudência da Corte.

O raciocínio empregado pelo STJ pode e deve ser utilizado como referência quanto ao tema da arbitragem no Processo do Trabalho, tendo em vista a similaridade das situações jurídicas de consumidor e de trabalhador, ambas pautadas na hipossuficiência.

Isso porque, presumidamente, caso o potencial empregado se recuse a concordar com a instituição de cláusula compromissória no contrato de trabalho, o empregador não o contratará, preferindo, ao revés, outra pessoa que aceite se submeter à cláusula.

De fato, o empregado comum (mesmo que receba remuneração superior ao dobro do teto de benefícios do INSS), não tem condições de discutir a cláusula compromissória com o futuro patrão, pois o contrato de trabalho é de adesão.

Assim, a conclusão a que se chega, embora não esteja explícita no art. 507-A, é no sentido de que as partes podem prever a arbitragem no contrato de trabalho, mas a cláusula compromissória somente será eficaz caso o empregado opte, livremente, por levar a questão para o árbitro; ou quando o trabalhador manifestar expressamente sua concordância com a arbitragem perante o próprio juízo arbitral.

Importante destacar, ainda, que a manifestação de vontade do empregado deve ser isenta de vícios, como a coação, o erro e o dolo, que podem resultar – caso comprovadas – na anulabilidade da submissão do litígio à arbitragem (Código Civil, art. 138 e seguintes)

Caso o empregado opte por levar a questão para Justiça do Trabalho, não se deve acolher o entendimento de que a cláusula compromissória impossibilite a análise pelo Judiciário. Reitere-se: trata-se de opção do empregado, assim como é uma opção do consumidor. Se o consumidor é hipossuficiente e o trabalhador também o é, o raciocínio é idêntico para os dois.

Nesse contexto, é criticável o texto do art. 507-A da CLT, por ter utilizado de forma atécnica a expressão cláusula compromissória, que apresenta sentido técnico muito preciso e bem estabelecido no Direito brasileiro. Fala-se em cláusula compromissória por iniciativa do empregado, o que é inconcebível, pois quando se firma uma cláusula compromissória sequer se sabe se haverá, ou não, litígio. A iniciativa de qualquer das partes só pode existir quando o conflito de interesses já tiver surgido.

Em suma, a interpretação mais adequada é no sentido de que passa a ser possível o uso da arbitragem no âmbito trabalhista, desde que se façam presentes, cumulativamente, os seguintes requisitos:

– (i) o empregado deve ter remuneração superior ao dobro do teto dos benefícios do INSS;

– (ii) o empregado deve tomar a iniciativa de levar a questão ao juízo arbitral, ou concordar expressamente caso o empregador o faça;

– (iii) as partes (empregado e empregador) devem ter celebrado previamente cláusula compromissória (antes de existir o conflito) ou compromisso arbitral (após o surgimento da lide).

Considerando a ambiguidade e atecnia do art. 507-A, o tema certamente gerará decisões conflitantes nos Tribunais Trabalhistas, até que se pacifique a questão.

Por fim, deve-se entender pela possibilidade de utilização da arbitragem na situação dos altos empregados, cujo conceito não se confunde com o trazido pelo art. 507-A da CLT. Ou seja, o mero fato de o trabalhador receber salário duas vezes superior ao teto de benefícios do INSS não o transforma em alto empregado.

O conceito de alto empregado é fluido, o que, geralmente, dá margem a diversas interpretações. Porém, em síntese, diz respeito ao grande executivo, ao diretor de uma empresa, a um gerente com cargo alto, enfim, a pessoas que tenham capacidade econômica maior, que recebam salários maiores, e que possuam maior capacidade de compreensão. Seriam, pois, empregados que estariam em plano de igualdade com a empresa, inexistindo hipossuficiência e sendo bastante atenuada (ou até inexistente) a subordinação.

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[1] Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.

[2] Veja-se, exemplificativamente, a seguinte ementa: “a cláusula compromissória só virá a ter eficácia caso este aderente venha a tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou concorde, expressamente, com a sua instituição. (…) os autos revelam contrato de adesão de consumo em que fora estipulada cláusula compromissória. Apesar de sua manifestação inicial, a mera propositura da presente ação pelo consumidor é apta a demonstrar o seu desinteresse na adoção da arbitragem” (REsp 1.189.050/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TUMA, julgado em 01/03/2016, DJe 14/03/2016).

Fonte: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/reforma-trabalhista/arbitragem-no-processo-do-trabalho-apos-reforma-trabalhista-08022018

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